Junho 2014

Esta é a história do dia mais feliz da minha vida!!

por João Rey » 12 jun 2014, 15:58

Não se pense que esta é apenas a história de mais uma pescaria! Sou doido por pesca, é um facto. Mas, jamais consideraria um dia ser o mais feliz da minha vida apenas devido a uma saída de pesca. A menos que tivesse acontecido mais alguma coisa de muito especial nesse dia. O que, de facto, aconteceu!! Mas já lá iremos… Estava farto de grades ao fim de semana e então decidi que iria tentar fazer umas escapadelas matinais antes do trabalho, assim que o mar o permitisse. Agora que até amanhece mais cedo, tudo se tornava mais propício. Apenas seria necessário escolher o dia certo, com as condições certas. Após uma breve análise nos “sítios virtuais” do costume, decidi que aquela quarta feira seria a ideal – mudança de lua, virar da maré a combinar com o nascer do sol, mar de 1,5M de onda com período de 10s, vento fraco, ameaça de chuva – e então ponho mas à obra! Preparei todo o material na noite anterior, de forma a evitar perdas de tempo e poder rentabilizar cada segundo em acção de pesca. Todos sabem que pescar com horas marcadas não é tarefa fácil! Levanto-me bem cedo – ainda de noite – acalmo os resmungos da minha mulher (que não entende estas coisas de levantar às 5 da manhã para ir pescar, ainda para mais com aquele tempo) – e preparo-me rapidamente. Encho-me de fé, com o pensamento que aquele seria o dia ideal para o peixe aparecer! Estava prestes a sair de casa quando ouço um barulho no vidro da janela da cozinha. Chego perto para ver o que se passa e… quase perdi a vontade de sair, tal era a intensidade da chuva que começou a cair!
– Está bonito! Pensei eu em voz alta. – Raios partam as previsões; então a chuva não era só para depois das 10:00H?? Bem, decido esperar 5 minutos e ver se o aguaceiro passava. Passam 5 minutos e nada… 10 minutos e tudo na mesma!
– Mais 5 minutos e volto-me a deitar, disse eu já aborrecido. Entretanto, quase de um segundo para o outro, a chuva passou rapidamente de “dilúvio” a alguns pingos esporádicos. Recupero o meu sorriso, encho o peito de ar e lá vou eu!

joao rey pesqueiro

Após 15 minutos de viagem, eis que chego ao local escolhido e, imediatamente, aumentei ainda a mais as minhas esperanças tal era o estado do tempo e do mar.
– Uuuuiiiiii, que isto está mesmo a prometer! Suspirei cheio de fé. A adrenalina subiu de tal forma que montei o material todo a correr. Só queria lançar rapidamente, não fosse o mar ou o tempo mudarem repentinamente. Escolho a zona para iniciar, avanço e aguardo uns segundos – analiso o movimento do mar, a cor da água, os fundões, os espumeiros – e decido começar pelos vinis num spot promissor. Primeiro lançamento efectuado, vinil na água, inicio a recolha, relaxo e solto um suspiro: – Aahhhhh!! Descarrego toda a freima e toda a adrenalina acumulada e concentro-me na pesca. Após vários lançamentos no mesmo spot – sem nenhum sinal de peixe, mas com um mar sempre muito promissor – apercebo-me que a azáfama dos barcos e das redes tinha começado mesmo à minha frente! Literalmente à minha frente!! Até se conseguiam ouvir nitidamente as vozes dos pescadores no interior do barco, apesar do barulho do mar e das ondas.
– Aqui é para esquecer, pensei eu já a ficar aborrecido. Escolho outro spot e ponho mãos à obra, insistindo nos vinis. Mais meia dúzia de lançamentos e nem um toque. Começo a ficar desconfiado mas, olhando para o mar, este inspirava confiança. Estava pronto para continuar quando apanhei um valente susto com um “spinner” que passava a um metro de mim, vindo de trás, sem dizer uma palavra. Nem um bom dia me disse! Como se nada fosse, passou por mim, continuou a avançar pedra fora, todo equipado com fato de mergulho de 8mm, e fez-se à água. Desapareceu durante uns segundos e reapareceu mesmo em frente às pedras ilhadas para onde eu atirava as minhas amostras!! Fiquei perplexo! Ainda pensei em continuar a lançar para o mesmo local mas o mais certo seria acertar-lhe com o vinil nos “c.o.r.n.o.s.”. Não que não fosse merecido! Mas não sou dessas coisas…
– Não falta aí é mar! Disse para com os meus botões. Mas, já de dia, com a maré a começar a encher e bem, já não me restavam muitos mais spots pois, naquela zona, as chances de ficar ilhado são muito reais. Decido então deslocar-me para o local do início da “faina” e ficar por lá, enquanto a maré o permitisse, visto ser uma zona que aguenta mais alguma água e permite uma saída mais tranquila. Estava eu a caminho quando me apercebo que a embarcação também regressava para o mesmo local.
– Parece que me andam a perseguir!? Resmunguei de olho franzido. Mas agora não havia outra alternativa. Ou era naquele sítio ou então estava terminada a sessão! Avanço pedra fora, sempre com cuidado redobrado, e vou até onde posso ir. Vejo apenas duas boas opções para banhar as amostras; duas pedras ilhadas com bom movimento de águas e bastante espuma em seu redor, uma à minha esquerda e outra à minha direita. Decido começar pela da esquerda mas, como estava um pouco longe, pensei que tinha mais chances de a atingir com um vinil de cabeçote mais pesado. Monto, lanço e atinjo o sítio pretendido. Inicio a recolha , dou uns toques de ponteira mas sinto muita pedra no fundo. Ainda insisto com mais uns lançamentos e com recolhas mais rápidas mas eram já demasiadas prisões e, se insistisse ainda mais, arriscava-me a perder o material. Ainda tentei mais uns lançamentos com amostras de superfície mas também prendiam nas algas e nas laminarias. Decido então direccionar o meu lançamento para a pedra à minha direita. Volto aos vinis, lanço e consigo atingir o local pretendido. Inicio a recolha lentamente, deixo afundar um pouco e, quando me preparava para fazer subir de novo o vinil, sinto uma enorme pancada!! Levanto rapidamente a cana, estico a linha mas não sinto nenhum movimento do outro lado.

– Pronto, já está na pedra! Pensei. Espero 2 segundos, dou-lhe mais um puxão e sinto a “pedra” a responder!!
– Olha lá! Isto é PEIXE!!! E parece bem jeitoso! Disse em voz alta. Começa a luta do outro lado da linha, puxões atrás de puxões… Fecho um pouco mais o drag e apercebo-me que o peixe já estava bem ferrado. Calmamente tento trazê-lo para perto, sem forçar muito, porque dava a entender que era um bom peixe, e não queria correr o risco de o perder se fosse demasiado apressado. Tento ver a zona para onde o rebocar em segurança mas não se adivinhava tarefa fácil. Teria de o fazer passar por cima de várias zonas de pedra até chegar aos meus pés. A ideia que tive era a de esperar pelo set de ondas certo, de forma a que estas o ajudassem a ultrapassar as ditas pedras e, com mais alguma água, o fizessem deslizar mais facilmente aproveitando a ajuda da corrente. Eis que sinto a linha a ficar solta. Era o espertinho a avançar para se tentar soltar! Recuo uns passos; os que posso, recolho rapidamente e mantenho a linha em tensão. Aí, o peixe vem à tona de água e dá uns valentes safanões com a cauda. Estava já a cerca de 15, 20 metros de mim, por isso deu para perceber que a peça era maior do que eu pensava.
– QUE BICHO!!! Disse mesmo em voz alta. A adrenalina voltava a subir mas comecei a duvidar do meu plano. O peixe era muito grande e, se ficasse retido em cima de alguma pedra, sem água, iria perdê-lo quase de certeza! Mas, não tinha outra alternativa ou, pelo menos, não conseguia vislumbrar nenhuma outra. Prossigo com o plano definido e passo o teste da primeira pedra com a ajuda da onda e da corrente.
– Isto está a correr bem! Vamos ver se continua assim, pensei. Reboco o bicho mais um pouco mas este afunda e começa a fugir ao planeado! Deslocava-se para a minha esquerda onde a pedra em frente era bem mais alta! Não havia hipóteses de passar por cima daquela pedra. Fiquei em pânico!! Fechei o drag todo e tentei desviar o peixe, inclinando a cana para a direita. Olho para cima e vejo a Aspire toda dobrada mas a aguentar bem, sem sobressaltos. Era o primeiro peixe de bom porte com esta nova aquisição e fiquei muito bem impressionado! Nunca “pestanejou”! Ganhei de novo confiança e mantive a tensão para a direita, até que, o cabeçudo cedeu um pouco e deixou-se rebocar de novo para o sítio pretendido. Passo o teste da segunda pedra, ainda com um pequeno susto, pois a onda era pequena e o peixe ficou a seco durante um segundo. Mas via-se que já estava cansado e não se mexeu. Outra onda veio e empurrou o peixe para o caneiro em frente. Apenas faltava passar por cima de mais uma pedra, esta já bem junto de mim. A onda seguinte vinha bem cheia e o peixe passou a pedra e deslizou calmamente ao sabor da corrente até aos meus pés. Deixo escoar e ponho-lhe o grip na boca.
– Já está!! Yesss!! Disse eu.

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Nesse momento parece que o peixe acordou de novo e começou a “espernear”. Mas ali já não tinha hipóteses de fuga. Era enorme!!! Só tive mesmo essa noção quando o pus a seco. Durante a luta, com a corrente e com toda a espuma não dava pare se ter uma noção perfeita do seu tamanho. E, sinceramente, a Aspire Sea Bass, fez parecer o peixe mais pequeno, tal foi a suavidade e resistência que emprestou à luta. Olho em frente e vejo os homens da embarcação perplexos a olhar para mim. Levanto o peixe bem alto, trinco o lábio e cerro o punho em sinal de vitória! YEAHHHH!! Não me parece que tenham ficado muito contentes com a visão…

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Ainda fiz mais alguns lançamentos para o mesmo local mas sem sucesso. Era quase certo que este tarolo, infelizmente, caçava sozinho. Ainda estava a recolher o último lançamento quando me apercebo de uns homens a deslocarem-se na minha direcção.
– Lá vêm os mirones! Pensei. Assim que chegaram perto de mim foram logo directos ver o peixe! E começou o diálogo:
– Aí camarada! Bom peixe! Deve ter aí uns 3 Kg, não? Perguntou um deles. Continuei a recolher e não respondi, pois já previa qual seria a pergunta seguinte…
– Você não me quer vender esse peixe?? Perguntou o mesmo fulano.
– Estava-se mesmo a ver, pensei eu.
Então, decidi responder-lhe.
– Olhe, primeiro que tudo, este não é o primeiro peixe que eu pesco. Segundo, só de olhar para ele, sei que tem bem mais de 3 Kg mas, até trago uma balança comigo se fosse preciso. Terceiro, não; não o vendo!! Disse-lhe eu em tom mais sério.
– Então, o que é que você vai fazer a esse peixe?? Insistiu ele.
– Olhe, vou amanhá-lo, cortá-lo às postas, cozinhá-lo e comê-lo! Respondi.
Até o outro homem se riu!! Parece que, finalmente, foi o fim da conversa. Mas ainda ficaram ali uns minutos a observar todos os meus movimentos até eu tirar umas fotos com o telemóvel, enganchar o peixe e me retirar. Enfim, há gente que não tem mais nada que fazer… Eu era incapaz de estar ali, longe de casa, a uns bons 70 metros da costa, com um tempo daqueles, e com aquele mar sem estar de cana na mão. Mas isso sou eu! J
Cheguei ao carro, já um pouco cansado, devo dizer, e penso para mim
– Tenho de tirar uma foto com este peixe! (É o problema de se pescar sozinho). Perdi a vergonha e decidi interromper o jogging matinal de uma senhora, pedindo-lhe desculpa e perguntando-lhe se não se importaria de me tirar uma foto com o peixe. Ela, sem problemas, respondeu afirmativamente e tirou-me umas fotos, muito admirada com o tamanho do peixe! Agradeci-lhe e pedi-lhe perdão pela interrupção uma vez mais, ao qual ela respondeu que até tinha sido uma experiência engraçada, pois nunca tinha estado tão perto de um peixe daquele tamanho ainda vivo!

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Vim para casa; cheio de moral, a pensar que, desta vez, não levaria tangas da minha mulher, que gosta sempre de me gozar quando chego a casa de mãos a abanar. (Soa-vos familiar??) Ainda encontrei a minha mãe pelo caminho que me perguntou:
– Foste à pesca com este tempo??
– O peixe não tem medo da chuva! Disse-lhe eu em tom de brincadeira, ao mesmo tempo que lhe pedia para abrir a mala e ver o peixe. Ficou toda feliz e disse-me logo:
– Ui, que grande!! E ainda está vivo!? A Joana (minha esposa) ainda se vai assustar com esse peixe!! Tem cuidado, olha que não convém apanhar nenhum susto durante a gravidez! Dito e feito! Entrei em casa de peixe ainda vivo na mão e a Joana, já acordada, olhou para mim e disse logo:
– CREEEDO!!! Que horror! Tira-me isso daqui! Que susto! Desatei a rir à gargalhada, pois já esperava aquela reacção por parte dela.

Foi, de facto, uma manhã de muitas emoções. Mas, não pensem que a história termina por aqui. Não, não! Isto foi só a parte da madrugada e da manhã! Mas o melhor do dia, e aquilo que o torna mesmo num dia muito especial – e que me deixa quase sem palavras para o descrever – foi que, umas horas depois, de forma algo prematura; pois não estava previsto até daqui a mais algumas semanas, tive de levar a minha esposa a correr para o Hospital onde, mais tarde, assistimos ao nascimento do nosso primeiro filho!!! Que sensação incrível!!! Uma emoção indescritível mesmo!!! Sem palavras!!! Só uns dias depois, quando desci à terra, é que percebi que tinha tido um dia memorável, com uma história invulgar que perdurará para sempre na minha memória e que merece ser partilhada. Este foi, sem dúvida, o dia mais feliz da minha vida!!

Ficha técnica
Cana: Shimano Aspire Sea Bass
Carreto: Shimano Vanquish 4000
Fios: Multi Sufix 832; Fluorcarbono Seaguar FXR
Amostra: Vinil Bexafish KBX
Espécie: Robalo
Tamanho: 74,5 CM
Peso: 4,75KG

Intervenientes
Spinner mal educado: Desconhecido
Mirones previsíveis: Desconhecidos
Atleta simpática: Desconhecida
Mãe incrédula: Margarida
Pescador abençoado: João (o autor)
Esposa assustada: Joana
Pescador recém nascido: João Tiago