Maio 2017

Robalos no Paraíso
por Afonso Gregório» 11 mai 2017, 02:32

Existe um sítio onde me sinto verdadeiramente bem, sítio esse que procuro sempre que posso. E por lá absorvo a noção de paraíso. Por entre tantas coisas que me fazem sentir bem, a pesca é o grande pilar. Adoro estar junto ao mar; adoro sentir o cheiro das algas quando as ondas se acamam sobre elas; adoro ouvir as ondas a rebentarem, adoro sentir na cara os salpicos das mesmas; adoro observar a vida que gira em torno do ambiente marítimo.  Fazia já algum tempo que havia tido oportunidade para pescar nas pedras que tão bem conheço, onde tantas e tantas horas já passei. Posto isto, assim que as condições de o voltar a fazer se proporcionaram, não deixei de aproveitar.

O dia acordara calmo quando me levantei. Tomei um café à varanda enquanto via o sol a romper a névoa matinal, deixando para trás espectaculares tons rosados no céu. Escolhi um cantinho que me tem dado boas alegrias e, minutos depois, lá estava eu junto ao mar. A maré estava quase no ponto de meu agrado, a água com boa cor, a vaga a rebentar no sítio certo. Coloquei um vinil enquanto ainda caminhava para uma das minhas pedras prediletas. Faço o primeiro lançamento para uma zona onde a corrente, por norma, se faz sentir mais – zona essa que faz a transição das pedras que rompem a superfície, para uma zona mais funda. E, nesse primeiro lançamento sinto peixe! Um bonito robalo, bem escuro e cheio de vida.

Era ainda cedo e continuei a pescar. Insisti bastante com o vinil em pontos específicos, mas nada. Reparei, enquanto pescava, que o mar estava a cair, isto até ao ponto de apenas se formarem pequenas ondas sobre afloramentos rochosos, para imediatamente se desfazerem sobre a superfície.

Optei então por mudar de abordagem, sendo a ideia pescar com um senko ou um fluke, em torno de pedras específicas. Meti a mão na bolsa e, assim que olho vejo os passeantes. No impulso, rapidamente peguei um super spook e decidi fazer uns lançamentos com ele. O passeante trabalhava lindamente, tinha por vezes que evitar alguma gaivota que se tentasse atirar sobre ele, e lembro-me de pensar que, desde que o havia comprado no passado Verão, o super spook ainda não tinha desgradado.  Foi pensamento que cruzou a minha mente breves instantes apenas… porque passado pouco tempo, estava eu a trabalhar o passeante por cima de pedras que praticamente se encontravam descobertas, para ver um ataque e sentir de imediato a tensão na linha. Assim que o peixe se sentiu ferrado deu uma corrida até sair dessa zona mais baixa – aprecebi-me de imediato que já era um peixe bom. Trabalhei-o com calma, sem grandes pressas ou ansiedades, e pouco depois tinha o peixe praticamente aos pés, cabia-me apenas esperar o momento certo para o deitar em cima de uma pedra. Assim o fiz, para instantaneamente contemplar aquele que, até então, era o meu maior robalo com passeante. Um peixe lindíssimo, também bem escuro no dorso, dourado nos flancos e bastante bem constituído.

Fiquei radiante, extremamente satisfeito! A minha pesca estava feita, não podia mais pedir. Os primeiros raios de sol começavam a tocar a água e aproveitei esta deixa para deixar o pesqueiro. Se até aqui descrevi o paraíso como um sítio para mim especial, passo agora a descrevê-lo tendo em conta as condições do mesmo. Dias quentes e extremamente agradáveis, a par com o mar, que durante dias a fio esteve como um lago, proporcionavam a mais maravilhosa das sensações. Ver o mar de cima de qualquer penhasco fazia vislumbrar águas paradisíacas; e a brisa quente e seca fazia atingir outro clima, pouco típico desta zona.

Estas águas, tão lusas, tão calmas, tão fora do normal, não antecipavam boas surpresas no que toca a robalos. Apetecia mergulhar, apetecia ver tudo o que acontece por baixo da superfície, coisas das quais apenas temos um pequeno lamiré. Marés a horas estranhas, com sol a pique, deixavam-me bastante reticente no que toca a pesca. Não deixei, no entanto, de ir – mesmo que não apanhasse nada, não tinha sido tempo tempo perdido, pois cada investida torna-se uma aprendizagem se estivermos dispostos a ver para lá da grade. A baixa amplitude das marés deixava uma janela de oportunidade muito pequena, fosse eu para que pesqueiro fosse, as condições eram em tudo semelhantes, e então optei por visitar um local que tantas alegrias já me deu, e onde nunca, seja em que altura do ano for, vejo alguém a pescar. Abordei esta ida de forma simples, sem grandes complicações, apenas levei o fato pela cintura, calcei as (indispensáveis) botas, e na bolsa levei apenas meia dúzia de amostras, de entre as quais os passeantes, senkos e flukes.

Já no pesqueiro, montei a cana, abri a bolsa e, optei pelo passeante mais uma vez. Porque, verdade seja dita, é entusiasmante trabalhar a amostra enquanto se mantém o contacto visual, na expectativa de observar um ataque. Prontamente fui para a pedra e comecei a lançar. Poucos lançamentos depois, estava eu a observar o ziguezaguear do passante pela superfície quando vejo um ataque! O peixe falhou a amostra, mas mesmo assim fiquei contente, pensei que afinal algo por ali se passava! Lancei mais uma vez ou duas para fazer o spook passar na zona onde tinha tido o ataque, mas não tive mais pronuncios de peixe. Continuei, então, a lançar em leque, a explorar a área circundante àquela pedra. Não tardou até ter um novo ataque e, desta vez, um peixe ferrado! Parecia estar peixe no pesqueiro, e bastante activo, o que me deixou surpreendido perante as condições nas quais estava a pescar. Continuei, e num curto espaço de tempo fiz 4 peixes, sendo que o conjunto contemplou um excelente robalo que acabara, pois, de se tornar o maior peixe que capturara com passeante!

Assim que o ponto da maré passou, deixei de ter ataques. Foi algo muito peculiar e fugaz, mas que me suscitou curiosidade, interesse e, muitas dúvidas…

No dia seguinte fui novamente à pesca, para tentar perceber se o peixe tinha encostado em força, ou se andava num ou noutro sítio específico. E, sobretudo, porquê. Tentei bater o maior número de sítios que consegui, sempre com a mesma técnica, mas, mais uma vez, foi naquela pedra em particular que tive ataques e fiz peixe. Ainda houve mais uma maré para pescar e assim fiz. Em 3 dias fiz 9 peixes, sempre no mesmo ponto da maré, sempre no mesmo sítio e com a mesma técnica, no (meu) Paraíso. Por entre peixes capturados e ataques falhados, fiquei contente por ter apanhado também um ou outro peixes pequenos, é bom saber que por lá andam, pois serão estes um dia os exemplares que irão proporcionar boas capturas, tenham eles oportunidade de crescer. Deixo algumas fotos:

Não pude deixar de observar que, na generalidade, os peixes capturados nestes dias eram bastante esguios, compridos mas muito magros.

Foram idas ao mar de muito gozo, a ver ataques à superfície, e a ver por vezes inclusive, o peixe no instante imediatamente antes do ataque. Isto justamente quando tudo parecia tão improvável. Houve espaço para ser humilde ao ponto de reconhecer que na pesca nada é certo e que, apesar de ao longo do tempo ser natural estabelecer padrões e procurar somar factores de forma a aumentar as probabilidades de sucesso, por vezes há surpresas – e a mim tocou-me uma das grandes. A realidade na minha cabeça e o que aconteceu não podiam ser mais díspares.

Mais recentemente tive outra oportunidade para pescar. O passeante abriu o dia e por cima de um afloramento rochoso fiz um peixe bem bonito, logo às primeiras horas da manhã.

E, com o vinil, coube-me ferrar um bodião. De quando em vez tenho tido surpresas com os bodiões e, ainda hoje fico estupefacto como se atiram ao vinil e ferram com aquela boca tão reduzida e desproporcional em relação ao tamanho do anzol.

Um grande abraço,
Afonso Gregório

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Ficha técnica:

Cana: Cinnetic Crafty Seabass 270
Carreto: Shimano Stradic 4000 FI
Linha: Berkley Whiplash Crystal 0,06 / terminal mono
Amostras: Vinil caseiro / Heddon Super Spook