Setembro 2017

Calmas manhã de nevoeiro

por Afonso Gregório» 14 set 2017, 22:45

Se todos os anos o Verão é a altura em que mais tempo tenho para dedicar à pesca, quis a vida académica que este ano fosse excepção. O último semestre foi inteiramente dedicado à tese de mestrado, semestre esse que para mim se prolongou durante quase toda a totalidade do verão, contando apenas com uma semana de férias, complementada com alguns fins-de-semana de maior disponibilidade. Não obstante, não me posso queixar, aproveitei o tempo que tive disponível para fazer aquilo que tanto gosto, pescar!

Este ano, curiosamente, tenho pescado dias de mar muito calmo, aproveitando (sempre que possível) as marés de grande amplitude para chegar a pedras que apenas durante um curto intervalo de tempo se encontram disponíveis. Fui fiel ao spot onde mais gosto de pescar, sendo este também aquele que melhor conheço abaixo da linha de água.

O calor intenso que se fez sentir no interior do país trouxe dias de nevoeiro cerrado – a condição atmosférica que mais satisfação me faz sentir, no que toca à pesca. O céu pinta-se de tons acinzentados e, a luz que é refratada nas infinitas gotas microscópias de água, perde a direccionalidade e ilumina, sem sombras, tudo o que nos rodeia. Numa das primeiras manhãs em que pesquei, foi justamente com o cenário que mostro abaixo, que me deparei.

Montei a cana e, intuitivamente, engatei no clip um Spook oferecido pelo João. Não precisei de mais do que dois ou três lançamentos para ver o primeiro ataque. Era um peixe pequeno, voltou para a água, mas fez-me sentir contente – afinal de contas, estava tudo de feição, sentia-me bem onde estava, e já tinha sentido peixe!

Fiz o resto da vazante sem ver ou sentir mais nenhum peixe, o dia que começou bem não se estava a revelar fácil.. No pico da vazante aproveitei para ir para um cerro mais exposto, onde as ondas espraiavam, deitando-se numa cama de espuma branca. Num dos lançamentos, faço o Spook passar por fora das últimas pedras que tinha à minha frente e, no exacto momento em que paro o passeante, vejo pelo canto do olho, um vulto negro dentro de água a sair de trás das pedras, permanecendo estacionário dentro de água.

Foi tudo muito fugaz e sem ter que pensar muito, dei alguns toques violentos e erráticos na cana e tenho um ataque fantástico mesmo aos meus pés! Foi, sem dúvida, dos peixes que mais gosto me deu ferrar! Era já um bom animal, bateu-se como pôde, a mim coube-me apenas deixar a cana amortecer as investidas, e calmamente colocá-lo em cima de uma pedra quando surgiu oportunidade. Lindíssimo robalo, dorso escuro e flancos dourados, 3,7Kg de genuíno robalo da pedra.

Fiquei radiante, mais não podia pedir.. foi um espectáculo apresentado para mim no mais belo dos palcos, e do qual eu era protagonista! Continuei a pescar, e durante a enchente entrou peixe, fui presenteado com ataques à superfície até mais não. Houve oportunidade, inclusive, para ver uma boa baila a investir no passeante, seguindo-se um espalhafato com saltos sobre a superfície! Dei assim por terminada a manhã, enquanto ainda estava a ter ataques, por opção. Tirei fora de água 11 peixes.. apenas levei o robalo maior e a baila..

Voltei no final desse mesmo dia. A maré não estava de feição, mas ainda assim não hesitei em fazer-me ao pesqueiro. A abordagem foi a mesma, passeante a trabalhar a superfície de águas calmas. Num dos lançamentos, a trabalhar o passeante paralelo à linha de costa tive um ataque, para contemplar um robalo lindíssimo, de tons particularmente escuros.

Deste dia para a frente, toda e qualquer manhã acordava imersa num manto de nevoeiro, e eu aproveitei para pescar.

Foram dias de muito gozo, a ver peixes explodirem à superfície, muitos deles pequenos, mas que me fizeram as delícias – é sempre bom estar a ver ataques e sentir peixe. Para além de que, é entusiasmante ver uma boa população, aparentemente saudável, de pequenos robalos, pois serão estes que um dia se tornarão os grandes peixes com que tanto sonhamos.

Tenho vindo a insistir bastante no passeante, dedicando pescas exclusivamente ao mesmo, procurando perceber onde têm que estar a trabalhar; em que pedras é que despoletam ataques; em que condições os trabalhar da cada maneira particular; e, especialmente, em como incitar o peixe a voltar a atacar após ter falhado a primeira investida. Considero-me sortudo por pescar num spot que aguenta muito bem o mar e permite pescar com o passeante mesmo perante condições que potencialmente seriam adversas. O fundo marinho junto à orla costeira desempenha um papel fulcral neste aspecto.

Não deixei, porém de pescar com outro tipo de amostras, não há como fugir disso, pois a verdade é que nenhuma amostra faz milagres, apenas nos cabe a nós como pescadores, adequar a forma como estamos a pescar às condições que temos pela frente.

Durante as primeiras investidas que fiz, o peixe entrava sempre nas mesmas pedras, sempre. No ponto de água certo, sabia para onde tinha que lançar e, onde tinha obrigatoriamente que ter a amostra a trabalhar.

Este ano a petinga não encostou, pelo menos não como em anos anteriores.. ainda assim os robalos nesta fase do verão estavam bem gordos, sendo que quase a totalidade dos peixes que apanhava tinha comido recentemente, muitos deles cheios de pilado e/ou sardinhas bem grandes no bucho.

Uma outra realidade que está bem presente é que, para o peixe chegar junto à costa, tem que atravessar autênticos emaranhados de redes e aparelhos. Mais uma manhã que acordara tímida. O café enquanto compunha a bolsa de amostras, fazia-me despertar e desejar estar à pesca. Assim fiz, desci até ao spot para me deparar com um cenário de eleição, onde o mar se prolongava tanto quanto o nevoeiro permitia ver.

Aproveitei quando já havia mais água para pescar com amostras rígidas. Insisti até o mar me mandar embora, e fui compensado por isso. Senti um ataque, o peixe a bater e a o êxtase do momento apoderou-se de mim. Isto até ver o peixe, algo claramente não estava bem.

As marcas neste robalo eram qualquer coisa perturbadora, um peixe que esteve preso numa rede e que se debateu pela vida, deixando gravadas no seu corpo as marcas disso. Já me aconteceu apanhar robalos com a boca disforme, que se conseguiram soltar dos aparelhos, ou com marcas de linhas e redes no corpo, mas neste estado…

As águas por estes lados são muito ricas, há toda uma harmonia na vida marítima, inlusivé nas algas. As pedras estão, no Verão repletas de um sem fim número de espécies diferentes, que lhes conferem um tom acastanhado.

O limo vermelho tão apreciado por tantos, que leva inúmeros barcos todos os dias da época do limo para o mar, cresce a bom ritmo. E no meio deste, crescem as laminárias. Se nas primeiras pescas o peixe entrava numas pedras, agora o padrão diferia. No pico da vazante, as laminárias deitam-se num emaranhado sob a superfície, e no meio deste emaranhado foi onde encontrei peixe.

Na primeira maré de grande amplitude fiz uma incursão bem perto do pôr do sol. Montei a cana, inspirei o cheiro a mar com que a maré vazia nos presenteia e no clip engatei um Super Spook que tinha comprado recentemente. O mar estava relativamente calmo, sem correntes, mas com muito limo em suspensão. Dirigi-me para a ponta de um cerro que penetra bem dentro do mar. À volta deste, encontram-se duas pedras enormes, rodeadas de inúmeras outras pedras mais pequenas (tudo isto ali bem aos pés, num raio de 25m). Encontravam-se todas elas cobertas de laminárias, e foi justamente para o meio das laminárias que lancei.

Fiz meia dúzia de lançamentos, até que procurei trazer o passeante pelo meio das duas pedras maiores. Assim que o fiz, algo aconteceu… muito discretamente uma cratera abriu-se na água e o passeante desapareceu. Assim que senti tensão, ferrei o peixe, para sentir força pura e bruta! Pesco, por norma, com o drag bastante fechado – fruto da necessidade – e, para um peixe levar linha, há que ter respeito. Com calma trouxe-o até mim, para de perto contemplar uma cabeça enorme a fazer um espalhafato à tona de água. E amostra… nem vê-la. Encostei-o numa pedra, deitei-lhe a mão à guelra e cobrei o peixe. Deitei-o numa pedra e fiquei a contemplar tal animal. Naquele momento simplesmente não consegui fazer mais nada que não contemplar e tentar registar o que os meus olhos viam. Um enorme robalo cujo dorso negro se perdia nas enormes escamas douradas que cobriam os seus flancos.

Tinha 84cm e pesou 6 quilos e poucas gramas.

Liguei ao João e ao Cláudio a partilhar a minha alegria e eles ficaram felizes por mim, como se tivesse sido um deles a apanhar aquele robalo! Tenho pena de ter estado sozinho nesse momento.. Nisto digo ao Cláudio que a minha pesca estava feita. E ele calmamente me responde: “Faz como costumamos fazer, fazes mais 10 lançamentos para acabar”. Rimo-nos os dois e disse-lhe que assim ira fazer! Nesses 10 lançamentos ainda houve espaço para mais um peixe saído do meio das laminárias. Era um peixe razoável, com 2,3Kg, mas foi engraçado como me parecia tão pequeno.

Na manhã seguinte voltei lá. A abordagem foi exactamente a mesma, dirigi-me para o mesmo cerro, e no primeiro lançamento que fiz, lá estava o peixe, exactamente entre as mesmas pedras! O primeiro ataque o peixe falhou e não consegui fazê-lo voltar. Recuperei a amostra e lancei para sensivelmente 5 metros mais fora do local onde tinha tido o ataque. Assim que a amostra caiu na água vi claramente o peixe a rasgar aquela água tão baixa, com as barbatanas caudal e dorsal fora de água, em direção ao local onde a amostra havia caído. Assim que comecei a trabalhar o passeante, deu-se uma explosão à superfície e ferrei o peixe! Foi surreal a voracidade do robalo, são predadores que não deixam de aproveitar uma boa oportunidade para comer. Era um belíssimo robalo com 4Kg. Nesse dia não tinha forma como registar o momento, a única foto que tenho como o peixe é já em casa e com o peixe sem vida, e optei por não colocar aqui.

Nesse mesmo dia aconteceu-me algo que foi novidade para mim.. As gaivotas vibram ao ver os passeantes a trabalhar à superfície, muitas vezes tentam investir e vejo-me obrigado a recolher o passeante o mais rápido que consigo, tentando evitar as investidas. O pior é que isso parece que ainda as estimula mais e só quando o passeante já está bem perto é que se afastam, mas geralmente corre tudo bem! Há contudo, excepções… não consegui evitar um mergulho de uma gaivota ao meu X-Rap Walk 13… tem duas fateixas enormes, e a verdade é que após o mergulho se seguiu um combate no ar, enquanto procurei trazer o animal até mim. Durante o episódio pude verificar como as gaivotas são competitivas por alimento, visto que num ápice estavam inúmeras outras gaivotas a tentar tirar-lhe o passeante da boca como se de um peixe se tratasse! Quando finalmente trouxe a gaivota até mim foi com alívio que vi que apenas tinha uma fateixa cravada no bico, por fora, sem sangue. Achei a gaivota extremamente dócil e calma, cooperou enquanto lhe tirei a amostra da boca e rapidamente voltou à sua vida! Fiquei feliz por tudo ter corrido pelo melhor!

Na manhã seguinte voltei ao mesmo cerro, e lá estava novamente um robalo à espera. Nos primeiros lançamentos dava logo para perceber se estava lá peixe ou se tinha que esperar pela enchente. O pesqueiro tinha mudado, e o peixe parecia estar a gostar das condições que tinha para emboscar, sempre à entrada das mesmas duas pedras!

A despedida do meu Verão fez-se com um peixe que entrou numa zagaia num dia de mar já com algum toque. Um robalo bem gordo mais uma vez, e ainda bem, pois agora têm que preparar a época que aí vem, atestar o corpo com tudo o que precisam para enfrentar o Inverno e deixarem descendência.

Em suma, foi um Verão repleto de alegrias no que toca à pesca. Tive muito pouco tempo disponível, e doravante não há mais como voltar atrás. As etapas da vida vão mudando e, se tudo correr bem, esperam-me excelentes desafios daqui para a frente. Não deixei, porém, de fazer aquilo que mais gosto e tão bem comigo mesmo me faz sentir, pescar. Tentei explorar a fundo os passeantes e fui recompensado com algumas capturas, mas mais importante do que isso, com o conhecimento que adquiri ao longo das horas que passei junto ao mar. E, sobretudo, com todas as excelentes memórias destas pescas à superfície.

Despeço-me com a mais bonita das vistas que posso apreciar.

Um grande abraço,
Afonso Gregório

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Ficha técnica:

Cana: Cinnetic Crafty Seabass 270
Carreto: Shimano Stradic 4000 FI
Linha: Daiwa J-Braid x4 Multi Color 0,21 / terminal Mustad 0,50
Amostras: Vinil caseiro / Heddon Super Spook / Heddon x Fish Arrow tunned Super Spook / Vega Akada / Rapala X-Rap Walk 13 / Rapala Skitter Walk 11 / Lucky Craft Sammy 115 / Zagaia tradicional