Dezembro 2013 (2)

As hienas, o imigrante e os peixes.

por Rui Almada » 07 Dez 2013, 05:31

Olá a todos, adoro esta altura do ano. Como alguns de vocês sabem, tenho quilómetros de praia à porta de casa. Todos estes quilómetros de areal se encontram desertos do outono ao final da primavera. Não é que desgoste do verão, mas quando ele chega, só me apetece fugir daqui. Gosto disto vazio. Deserto. Até o cheiro é diferente… Quando posso, lá vou eu mais o meu farrusco, passear à beira mar por estas praias vazias.

rui almada_dog

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Tiro os meus apontamentos. São sempre úteis, tanto para a pesca como para o surf. Nos últimos dias o mar parece uma piscina. Os barcos da conquilha, aproveitam o mar chão e varrem os fundos próximos da costa. Pela calada da noite aproveitam mais ainda…e varrem tudo a uns 10 metros da praia. Ao remexerem os fundos arenosos, desenterram comedia e o peixe às vezes aparece…

rui_almada_pegadas

O único peixe que tem saído por estas bandas é pequeno. As “hienas” têm feito pescas de dezenas de cachotes ao fundo e à bóia. Robalos maiores são poucos ainda. Quando comparecem é de noite, principalmente devido à pequena ondulação. Fixei um dos sítios onde os barcos andaram mais próximos da praia e decidi voltar ao pôr do sol, para tentar a minha sorte. Depois de apreciar o final do dia da janela… peguei no material e lá fui eu.

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Comecei a bater a zona escolhida. As águas estavam esverdeadas e muito tapadas. O frio congelava. Ao fim de pouco tempo comecei a sentir uns toques na amostra. Os toques eram sucessivos e não conseguia cravar um peixe. O mais certo é serem bailas pequenas, pensava eu. Troquei de táctica. Vinil no clip e toca a pescar…mas não era a aposta certa, porque eles não queriam saber dos vinis. Comecei cada vez mais a acreditar que andava por ali um cardume de bailas pequenas. Acontece muitas vezes. Sentimo-las mas não as cravamos. Com o passar do tempo deixo de sentir toques…Pausa para um cigarro. No meio da escuridão vejo uma luz a aproximar-se. Surge um pescador. Cumprimenta-me, coisa rara nos dias de hoje, e pergunta-me num sotaque estranho se andava lá peixe. Explico-lhe o que achava que lá andava e ele começa a pescar. Ele tinha um sotaque de leste. Falava um português super engraçado. Quem me dera conseguir exprimir por palavras o português dele…uma comédia! Aquele emigrante apareceu em boa hora. Sem presença de peixe, naquela noite gélida, uma companhia veio mesmo a calhar! Ao fim de pouco tempo ele ferra um peixe.

Era um cachote. Não devia ter mais que 700 gramas. A alegria dele era enorme e eu não quis estragar-lhe a festa com lições de moral, quando ele meteu o peixe no saco. Existe muita gente que passa por dificuldades e eu não sabia nada sobre aquela pessoa que pescava comigo. Achei por bem não comentar. Passados poucos minutos ele ferra outro do mesmo lote. Peixe no saco…- ” Mostra lá a tua amostra pá!” – perguntei eu. Ele mostrou-me, mas achei que aquela não seria a cor mais acertada. Manti a minha convicção na cor escolhida e continuei a pescar. Passado pouco tempo ferro eu um. Cachote daquele lote. Descravo o peixe e atiro de volta à água. Ele parou de pescar…e perguntou-me porque tinha feito aquilo. A cara de espanto era maravilhosa e as palavras naquele português manhoso a perguntar-me o porquê, se eu não gostava de peixe, etc…foi um momento delicioso, acreditem! Mais uns minutos e ferro outro. Mesmo lote. Água com ele. Começou novamente a risada. – ” Não faças isso!” ; ” Eu atiro-me à água atrás do peixe! ; ” És maluco?”Acho que aquela pessoa, infelizmente nunca tinha visto tal atitude e não conseguia compreender. Eu sinceramente nem tentei explicar, fiz-me de maluco e continuei a pescar a rir às gargalhadas! A companhia dele agradava-me e estava a passar um bom bocado. Cravo outro peixe. Este já era maior e deu uma luta jeitosa. Trago-o até mim. Peixe de 1.400g. Quando olho para o meu companheiro, estava ele parado a fixar-me!
– ” Que vais fazer?” – perguntou-me.
– ” Vou comê-lo!”
Ele muda a sua cara séria e incrédula e mostra um sorriso. Abana a cabeça e continua a pescar de sorriso nos lábios. Eu com poucas ou nenhumas palavras, estava a mostrar-lhe a minha atitude perante a pesca e ele começava a compreender…Passado poucos minutos cravo outro peixe. Peixe lutador que não queria conhecer-me. 1.750g.

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A água começou a desaparecer e demos a pesca por terminada. A fome já apertava e estava na hora de jantar. Espero voltar a encontrar esta personagem caricata…Depois de jantar, decidi que voltaria lá de madrugada. Ao mesmo sitio, perto da mesma fase da maré, um pouco antes do nascer do sol. Afinal, explorar a zona onde andaram os barcos tinha sido uma escolha acertada. Fui dormir cedo…Levantei-me de madrugada e lá fui eu. Cheguei ao pesqueiro e só lá estava um pescador. Tratava-se de uma “hiena” bem conhecida da zona. Disse-me que a malta do turno da noite tinha ido embora porque não andava lá peixe, mas que ele até estava a apanhar uns cachotes ao fundo…Fui direito ao sitio que queria pescar e lá comecei a varejar.Estava muito afastado dele e como é óbvio não lhe falei dos peixes que apanhei. Ele lá deu por encerrada a jornada. Quando vai a passar por mim, pergunta-me se tinha apanhado alguma coisa. – ” Nem um toque!” -respondo eu.
Trocámos mais meia dúzia de palavras e ele continuou a andar. Mesmo atrás de mim, pára.
– ” Tu apanhaste peixe!” – diz ele em voz alta, sentindo-se enganado!
– “Eu?” ; “Já lhe disse que nem um toque tive!”
– “Então que sangue é este todo aqui no chão?” – dizia ele, enquanto apontava a luz para o local, mostrando bem a “hiena” que há em si…Um dos peixes que eu tinha apanhado ao principio da noite, engoliu de tal forma a amostra que rebentou com as guelras e sangrou imenso. A poça de sangue era disso e eu estava exactamente naquele sitio.
– ” Já lhe disse que não apanhei peixe car….!” ; ” Olha agora este maluco!” ; ” Tenho o peixe no bolso quer ver?” – respondi eu já chateado…
– ” Deves pensar que eu ando aqui há 2 dias não?” – disse ele, enquanto se debruçou sobre o sangue e tocou-lhe para ver se estava fresco…
– ” Vá mas é dormir pá!”
Ele lá se afastou a cacarejar sozinho…Como Deus não dorme…mal a luz dele desaparece na duna, cravo um peixe! 1550g

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Lá estavam eles à hora combinada! Pouco tempo depois cravo outro…este bem mais lutador. De certeza que já era um daqueles de boca grande! Meti-o a seco sem muita dificuldade, o mar chão ajudava à festa! 2000g

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Mais alguns minutos e cravo outro! Muito nervoso este peixe…uma bela baila de 1350g

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A actividade acabou rápido e o dia estava a nascer…está na hora de ir guardar o peixe no carro para nenhuma “hiena” ver…tenho que salvaguardar aquele buraquinho, que ninguém ainda pareceu ter descoberto…só um pescador de leste que não é daqui!

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Ficha técnica:

Cana: Shimano Diaflash 3,60
Carreto: Shimano Symetre FJ
Fio: Multi Sufix 832 0.24 + Fluor Asso 0.45
Amostra: Lucky Craft Flashminnow 130MR